segunda-feira, 7 de maio de 2018

Juramento de Hipócrates

Olhando nos arquivos, descobrimos que nos idos de 1984, publicamos um artigo sobre o Juramento de Hipócrates, que até então, mesmo de forma resumida, vinha sendo utilizado por ocasião da cerimônia de graduação das turmas de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Já aquela época, notávamos que alguns conceitos utilizados pelo famoso médico da antiga Grécia, estavam sendo influenciados por novos costumes. Por esta razão, no artigo fizemos o comentário dos diversos tópicos em que se divide o famoso juramento:

1 – Omissão de socorro

2 – Ética médica

3 – Exercício legal e ilegal da Medicina

4 - Tratamento arbitrário

5 – Eutanásia

6 – Aborto legal e criminoso

7 – Liberalismo profissional

8 – Responsabilidade médica

9 – Segredo Médico

Vejam o artigo:

O ASPECTO MÉDICO LEGAL DO JURAMENTO DE HIPÓCRATES

Artigo publicado na Revista Fêmina de outubro de 1984 por Silvia Bomfim Hyppólito

“ Eu juro por Apolo, médico e Esculápio e Higédia e Panacéia e todos os deuses e deusas, que de acordo com a minha habilidade e julgamento cumprirei este juramento e estes compromissos: respeitar quem me ensinou esta arte como se fora meu pai, repartir com ele meus bens, suavizar suas necessidades se for necessário, olhar para seus filhos como se fossem meus irmãos, ensinar-lhes esta arte se quiserem aprendê-la, sem retribuição nem condição de espécie alguma, e pelo preceito, leitura e qualquer outro modo de instrução, darei conhecimento da arte a meus próprios filhos e aos meus mestres e a discípulos ligados por compromisso e juramento, conforme a lei da medicina, mas a ninguém mais, seguirei aqueles regimes que de acordo com a minha habilidade e julgamento considerar benéficos aos meus doentes e abster-me-ei de tudo que for nocivo e deletérico. Não darei venenos mortais a ninguém, mesmo que seja instado, nem darei a ninguém tal conselho e do mesmo modo, não darei às mulheres pessário para provocar aborto.

Viverei e praticarei minha arte com pureza e santidade. Não operarei os que sofrem de pedra, mas deixarei que isto seja feito por homens que são práticos nesse ofício.

Qualquer que seja a casa em que penetre, lá irei em benefício dos doentes e abster-me-ei de qualquer ato voluntário de maldade ou corrupção, e ainda de sedução de mulheres e homens, de libertos e escravos. Tudo aquilo que tenha ou não relação com a prática da minha profissão, ver ou ouvir da vida dos homens que não deva ser divulgado, não divulgarei , respeitando tudo aquilo que deva ficar secreto. Enquanto conservar sem violação este juramento, que me seja concedido gozar a vida e a prática da arte, respeitado por todos os homens, em todos os tempos. Que outro seja o meu destino se transgredir ou violar este juramento”.

Hipócrates
Hipócrates
Esculápio


















O grego Hipócrates constitui o marco diferencial entre o obscurantismo da pré-história e a arte sistematizada de curar. Nasceu em 400 a.C., aproximadamente, na ilha de Cós, dizendo os historiadores daquele tempo que ele descendia de Esculápio, o
deus grego da Medicina. Esculápio tinha uma filha por nome Hígia ou Higédia, deusa da saúde, representada com uma taça na mão onde bebia uma serpente.
Deusa Hígia
 Este animal era consagrado a Esculápio e hoje é considerado o emblema da Medicina. Segundo Plínio a razão desta escolha é porque a serpente se renova, mudando de pele.
O homem renova-se igualmente pela Medicina, pois os remédios lhe dão como um corpo novo.

Recebemos de nossos alunos comentários sobre alguns dos tópicos já mencionados, se não vejam:

Segredo Médico

O segredo médico é um pilar da Medicina, um valor deontológico irrevogável do exercício profissional, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento escrito do paciente, como preconizado pelo Código de Ética Médica (2009). No entanto não é apenas uma norma de conteúdo teórico, como poderia pensar o leigo, reproduzida sistematicamente desde os tempos de Hipócrates a partir de seu juramento. É de suma importância para o estabelecimento de uma relação-médico paciente de confiança, sem a qual toda a história clínica, muitas vezes dependente de informações confidenciais, e o processo de formulação diagnóstica estariam prejudicados. Desse modo, é possível afirmar que “não há Medicina sem confidências”.

A sistematização dos princípios bioéticos por Beauchamp e Childress (1989) – beneficência, não maleficência, autonomia e justiça – reafirma a proposta de que, para além da assistência, o segredo médico se fundamenta na autoridade que o paciente tem sobre suas informações pessoais, o que limita a ingerência de terceiros na relação médico-paciente. Em resumo, o médico deve atuar em benefício do paciente, sem lhe causar mal – no caso de um segredo revelado indevidamente –, deve respeitar a autonomia e a propriedade das informações confiadas pelo paciente, e por último deve atuar com justiça, que, no âmbito em questão, refere-se ao exercício da imparcialidade, sem relativizações particulares.

Tratando-se de um contexto mais atual, vale citar que as tecnologias abriram um imenso leque de possibilidades de comunicação na relação médico-paciente, o que para o temor de alguns, facilitaria a quebra do segredo médico. Tal é a importância desse fato que o Conselho Federal de Medicina, por meio do parecer N° 14/2017, permitiu a utilização do aplicativo de mensagens WhatsApp para “[...] comunicação entre médicos e seus pacientes, bem como entre médicos e médicos, em caráter privativo, para enviar dados ou tirar dúvidas [...]”. Para finalizar este comentário, convém ressaltar que a resolução é uma forma de disciplinar a classe médica sobre algo que já existe, que é o uso dessas tecnologias para facilitar a comunicação. Dessa forma o segredo médico, como bem enfatizado, continua a ser um pilar fundamental, independentemente do modo de transmissão de informações que sejam de propriedade do paciente.

Caio Braga de Sousa – Aluno do 4° semestre do Curso de Medicina da Universidade Federal do Ceará (FAMED/UFC)

Ética Médica

A ética médica é uma série de diretrizes fundamentais para a prática médica. Ela é regida por três princípios básicos: Beneficência, Não Maleficência e Autonomia. Ao analisarmos o Juramento de Hipócrates, é possível reconhecer as raízes desses princípios e é devido a isso que uma grande parcela da filosofia do Juramento, escrito a milhares de anos, ainda é tão contemporâneo. No que concerne a ética entre os médicos, é notável que Hipócrates julgava fundamental a admiração e a gratidão aos mestres e o respeito aos colegas de profissão. Essa concepção sempre foi valorizada e é corroborada pelo Código de Ética Médica desde a sua implementação.

Nos últimos cinquenta anos, houveram diversas mudanças na regulamentação das condutas, como a retirada do Capítulo II, que abordava diretamente a relação entre médicos, como exemplifica o Artigo 8º - “O médico deve ter para com seus colegas a consideração, o apreço e a solidariedade que refletem a harmonia da classe e lhe aumentam o conceito público”. Entretanto, o Código de Ética atual, introduziu o Capítulo VII, onde estabelece outra regulamentação entre a relação entre médicos, mas sempre mantendo a ideia geral de união e respeito, introduzida por Hipócrates e fundamental para a prática médica.

Andressa Castro – Aluna do 4° semestre do Curso de Medicina da Universidade Federal do Ceará (FAMED/UFC)

Aborto legal e criminoso

Hoje em dia a população está bem dividida entre concordar com o aborto e não concordar, por mais que a lei ampare o direito a vida humana, desde a fecundação, existem diversos argumentos que convencem as pessoas a concordarem com essa prática, um dos principais é o estupro, o qual gera como opção mais viável o uso da pílula do dia seguinte, outro é a falta de condição e experiência para criar um ser humano; nesse as mulheres buscam meios para provocar o aborto que muitas vezes podem ser prejudiciais a elas, pois não são meios seguros. Assim, o embasamento dos argumentos gira em torno do melhor apoio para essas mulheres que estão decididas a realizarem esse procedimento, afirmando que será melhor para elas se tal procedimento fosse realizado de forma legal e segura. Por outro lado, afirma-se que nenhum motivo é plausível para encerrar uma vida, mesmo antes desta conhecer o mundo fora do útero. Já que desde em primórdios da era cristã, nossa sociedade foi ensinada que acima de tudo está o direito a vida, a qualquer um que a tenha, uma vez, já recebido. Considerando isso, pode-se afirmar que, uma parte do juramento de Hipócrates está passando por um grande questionamento, o qual questiona-se se ele ficará obsoleto, ou será extremamente atual.

Elisa Biesek - Aluna do 4° semestre do Curso de Medicina da Universidade Federal do Ceará (FAMED/UFC)

Omissão de Socorro

A palavra “lei” se origina do latim “lex”, que significa uma obrigação imposta. As leis definem os direitos e deveres dos cidadãos, e os norteiam a respeito de como devem ser as suas condutas, com base em preceitos éticos e morais, garantindo assim a boa convivência entre as pessoas. Visando proteger a vida e a saúde, foi elaborado o artigo 135 do código penal brasileiro, que estabelece a pena de detenção para casos de omissão de socorro: “Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte. Condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial (Incluído pela Lei nº 12.653, de 2012). Art. 135-A. Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial: (Incluído pela Lei nº 12.653, de 2012). Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. (Incluído pela Lei nº 12.653, de 2012). Parágrafo único. A pena é aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a morte. (Incluído pela Lei nº 12.653, de 2012).”

Assim como o código penal, o conselho federal de medicina também veda ao médico a omissão de socorro: “III - RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL É vedado ao médico: Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência. Parágrafo único: A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida.”

Com base no juramento de Hipócrates, nas legislações penais brasileiras e no Código de Ética Médica, é um dever do médico a prestação de socorro. Além das leis, nos norteia o seguinte aforismo ensinado ao longo de todo o aprendizado da medicina: ” Curar algumas vezes, aliviar quase sempre, consolar sempre”. Sendo assim, apesar da grande crise que ocorre na saúde, dos poucos recursos e até mesmo do cansaço que nos acomete, nunca devemos nos esquecer de que estamos aprendendo a arte da medicina para ajudar o próximo.

Andressa dos Santos Portas - Aluna do 4° semestre do Curso de Medicina da Universidade Federal do Ceará (FAMED/UFC)

Responsabilidade Médica

O Juramento de Hipócrates é um ato ainda hoje celebrado pelos formandos em Medicina, dada a sua importância histórica e a carga de responsabilidade que o médico assume ao dedicar sua vida à nobreza das Ciências Médicas. Apesar das mudanças que a Medicina sofreu ao longo da história, a figura de guia e responsável do médico permanece, e faz o tão famoso juramento tornar-se atemporal quando diz respeito ao papel do mesmo perante a sociedade, cabendo a ele o dever de dominar a prática médica, não agir com leviandade, agir com clareza e boa vontade, instruir e informar corretamente ao paciente suas práticas para obter seu consentimento para as diversas situações médicas. Segundo o Código de Ética Médica, capítulo III, É vedado ao médico: Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência. Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida.

Amanda Madureira Silva - Aluna do 4° semestre do Curso de Medicina da Universidade Federal do Ceará (FAMED/UFC)

Exercício legal e ilegal da Medicina

“Não é o diploma médico, mas a qualidade humana, o decisivo.” Carl Gustav Jung

Como uma das profissões mais antigas as Ciências Médicas passaram por inúmeras aventuras intelectuais protagonizadas por grandes nomes no decorrer da história da civilização. Exemplos a serem pertinentemente citados são Crawford Long, que descobriu as propriedades sedativas do Eter em meados de 1842 revolucionando assim procedimentos cirúrgicos através do uso de anestesias; Edward Jenner, em 1796 criou a fórmula da vacina em meio a um cenário onde 40% da população mundial morria em consequência de tal doença; Wilhelm Röntgen, com a descoberta do Raio-x que é um dos métodos utilizados para diagnósticos rápidos e precisos; Alexander Fleming, que em 1929 descobriu a fórmula da penicilina, o primeiro antibiótico do mundo; Maurice Wilkins, que deu o pontapé inicial na descoberta do DNA, em 1953, revolucionando a biologia molecular dentre incontáveis outros que não caberiam neste singelo comentário. Na Inglaterra a clínica médica teve o mais conceituado expoente em Thomas Sydenham (1624 – 1689), em Oxford, que com pouca teoria e muita experiência, chegou à filosofia sobre doenças, que definiu como “esforço da natureza com todo o vigor, para restaurar a saúde do paciente eliminando a matéria mórbida”. Distinguiu os sintomas “essenciais” – causados por substâncias estranhas – dos “acidentais” causados pela resistência do corpo a tais substâncias; assim, a febre não é doença mas um processo do organismo para autodefesa. O problema do médico é auxiliar esse processo contra a doença. Daí Sydenham louvar Hipócrates porque o pai da medicina só queria dessa arte que se auxiliasse a natureza quando esta definhava e se refreasse quando os esforços eram demasiado violentos. Pois esse sagaz observador descobriu que somente a natureza faz cessar os distúrbios e processa a cura com o auxílio de alguns remédios simples e mesmo, às vezes, sem tal auxílio. Os herdeiros de Hipócrates continuam a avançar na busca do summum bonum (bem maior).

Entretanto a ciência sem humanidade torna-se apenas ciência, ou negócio. Muitos indivíduos se apossam do esculápio de Higédia para praticar seus charlatanismos domados por uma vontade desassociada da arte de curar, alguns portando o título e a bata de médico, escondem por dentro ternos e gravatas, simbolizando suas intenções mercadológicas combinadas com uma mão pesada de desonestidade. A prática médica com a sua simbiose da remuneração faz surgir acordos comerciais entre profissionais da saúde que criam uma rede de negócios, associados ao mercado de medicamentos e ao surgimento de dogmas pseudocientíficos que entram no inconsciente coletivo de uma população, afetando, assim, a natureza biológica que necessita do auxílio do hipocrático. O sofrimento humano deixa de ser aqui a principal motivação dos médicos. O exercício ilegal da medicina deve ser combatido com humanismo e exemplos de caridade recordando sempre que a medicina surgiu tanto para o Shogun quanto para o camponês. Felizmente esse ofício artístico e humanístico carrega consigo adeptos com os corações nobres munidos de razão intelectual e bondade santa que se propaga, paralelamente aos que fazem deste ofício um negócio; a existência do código de ética médica, por exemplo, e dos conselhos regionais e federal de medicina, nutrem o sentimento hipocrático, que é transmitido para as futuras gerações de curandeiros.

No fim das contas, o céu à noite é escuro, mas existem muitas estrelas a brilhar. Podemos concluir que se tudo se resume em uma luta entre o bem e o mal, a luz está ganhando território.

“Para o corpo doente é necessário o médico, para a alma, o amigo: a palavra afetuosa sabe curar a dor.” Raul Seixas

Antônio Murilo Vidal Sales- Aluno do 3° semestre do Curso de Medicina da Universidade Federal do Ceará (FAMED/UFC)

3 comentários:

  1. Que belíssimo texto!
    Todo médico e estudante de medicina deveria ler.

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  2. Dra. Elodie, agradecemos seu comentário. Gostaria de saber se lembra qual foi o juramento que foi lido por sua turma. O costume sempre foi um resumo deste de Hipócrates. Com o passar dos anos, cada vez mais êle era resumido. Profa. Silvia Bomfim Hyppólito

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  3. Senhores alunos, de ontem e de hoje! Faltam alguns assuntos a serem comentados: a)tratamento arbitrário b) eutanásia e c) liberalismo profissional.
    Que acham de postarem aqui seus comentários sobre estes assuntos?
    Profa. Silvia Bomfim Hyppólito

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